sexta-feira, 22 de março de 2013

James, o publicitário que escreve no fluxo da consciência - Parte II

Hoje acordei daquele jeito. Sabe como é. Vodca, maracujá, cigarros e mais vodca com maracujá. Acaba o maracujá e aí você nem quer saber se tem ou não outra fruta na dispensa, e acaba por entornar a vodca do jeito que o mundo a concebeu, com os seus bons e velhos 34% de álcool rasgando a garganta. O chato da história é que tudo ao redor ganha vida: as paredes, os móveis, os livros... Deitei-me. Havia alguns livros espalhados pela cama. É um dos meus costumes os deixar lá espalhados para o caso de alguma consulta rápida. Um deles parece que tomou vida, era mais um livro do Charles Bukowski, Pulp, que ganhara num sorteio de um professor da Faculdade o ano passado. Bem, dizia, o livro ganhou vida. Encaminhou-se até a mim. Eu estava deitado com uma ânsia de vômito da porra! Lembrara-me de quando fui ao Mercado Municipal, na sessão de peixes. Todos com aquele olhar melancólico, vago e exalando um forte odor. O livro iniciou um diálogo comigo, era o que eu temia. Tratava-se da voz do Velho Bulk (ou pelo menos o que eu imaginava que fosse a voz dele: grave, um tanto arranhada e um quê de ironia, típica dos americanos do Texas).
            - Ei, James! Tudo bem?
            - Bem. – eu disse.
            - Parece que andou exagerando, hein? Seu puto!
            - Logo você quer falar de moral comigo? Ta aí uma coisa engraçada!
            - Nunca quis ser engraçado. Mas é o meu jeito, não tem o que fazer.
            - Bem, Bulk! Vou mandar a real. Preciso escrever o roteiro de um filme publicitário, algo relacionado à ética. Sei que é uma ideia antagônica, mas, como você mesmo disse, não tem o que fazer.
            - Ééé, James! Nada é fácil! Você ta aqui, deitado, falando com um livro, mais bêbado do que Jack, enquanto o mundo lá fora fervilha como um tronco de árvore seco repleto de cupins!
            - Quem é Jack? – perguntei. Metáfora bem trabalhada essa dos cupins, Bulk! Lembro-me dela.
            - O Kerouac! Jack Kerouac, o canadense católico. Você tem um bocado de livros dele por aqui. De onde achou que tirou essa ideia de fluxo da consciência?
            - Não me lembro mais. Minha cabeça dói!
            - Você é o último exemplar verdadeiramente paulista, James!
            - E você foi o último hollywoodiano, certo?
            - Não sei! Acredita mesmo nessa história de que quando morremos vamos a algum lugar azul, repleto de anjos e querubins sem sexo e que podemos assistir a tudo o que vocês aprontam por aqui?
            - É o que dizem.
            - Sai dessa, James! Mesmo que isso fosse possível, eu não perderia o meu tempo pra ver esse circo.
            - E o que faz aqui?
            - Lhe parabenizando por fazer da vida essa merda. Escreve só pra se sentir bem, mas sabe que isso nunca te levará a lugar algum.
            - Isso é loucura Bulk! Se não vai me ajudar com o roteiro, vê se não me enche!
            - Esse roteiro é impossível, James! Tente apenas falar a verdade. Uma verdade fantasiosa.
            - Ok! Bulk, já falou demais. Vou ali no banheiro vomitar e quando voltar espero que você tenha retornado para o lugar de onde veio.
            - É um prazer viver na loucura do seu inconsciente!
Fui vomitar e acabei dormindo no chão do banheiro...
            Hoje acordei com a minha cabeça latejando. Parecia que os meus poucos neurônio queriam ganhar o mundo através das minhas têmporas. Resolvi descansar o dia inteiro (acabei de decidir isso). Espero que amanhã eu consiga finalizar essa droga de trabalho.

quinta-feira, 21 de março de 2013

James, o publicitário que escreve no fluxo da consciência

ROTEIRO PARA UM FILME PUBLICITÁRIO – Institucional (lembrei-me do livro do Reinaldo Moraes, Pornopopéia – a personagem central do filme vive uma situação parecida, precisa criar um filme para uma campanha institucional de uma indústria de enlatados de salsicha, ou frango, não me lembro ao certo. O fato é que a personagem não vivia tempos muito fáceis. Tratava-se de um maníaco viciado em orgias, cocaína, álcool e outras drogas).
CLIENTE: Não definido (eu preciso escolher um, talvez uma ONG que resgata jovens estupradas nos países que vivem em guerra civil no leste do continente africano; ou que salvem cães das mãos de indústrias farmacêuticas inescrupulosas que os utilizam para testes em novos medicamentos e depois os aprisionam e sacrificam, sei lá...).
CONCEITO: Algo relacionado a Ética, a Platão e Sócrates. Aliás, acho engraçado Sócrates ter sido um mendigo analfabeto, isso reforça a idéia de que nem sempre os moradores de rua são pessoas de papo ruim. Qualquer dia desses, eu paro pra bater um papo com algum, quem sabe não me torne um aproveitador como Platão e escreva o Mito da Calçada Esburacada, ou o Mito do Mocó do Minhocão? - Escolher uma das frases anotadas no caderno durante a aula de Ética e Legislação Publicitária. As frases são... putz!, esqueci, mas algo parecido com:
            - É melhor sofrer a injustiça do que praticá-la.
            - Ser um indivíduo ético, mesmo sem a existência da lei.
            - O homem que se deixa governar pela razão é mais feliz.
            - Praticar a ética é praticar o bem e, consequentemente, ser mais feliz.

Rascunhos, ideias e pesquisas jogadas no “papel”, ao som de James Brown e tomando muito café num dia morno. Alguns livros espalhados pela mesa: Charles Bukowski, Roberto Bolaño e Vinícius de Moraes.

            Bom, vamos analisar frase a frase e a ideia que carregam de forma prática. “É melhor sofrer a injustiça do que praticá-la” me faz lembrar Jesus Cristo e aquela  história manjada do cara que dá uma mãozada no rosto de outro cara, no que este lhe oferece o outro lado da face pra receber outra bofetada (eu no lugar do primeiro daria outra, só de pirraça!). Não me parece muito cristão!
            “Ser um indivíduo ético, mesmo sem a existência da lei”, essa é a frase que mais me agrada. Já que ser ético é agir conforme os valores morais em voga na sociedade. Todos os dias as pessoas vão aos seus trabalhos, retornam as suas casas, dormem e retornam ao trabalho e a coisa segue esse fluxo viciante e asfixiante. As músicas que ouvimos já não dizem tanto, ou até dizem, mas nada que seja reflexivo; os livros que lemos já não são mais licenças poéticas, o eu lírico morreu, é tudo muito degradado. A crítica não diria que Charles Bukowski transformou a sarjeta de sua vida em arte, mas diria que transformou a realidade da vida em arte.
            “O homem que se deixa governar pela razão é mais feliz.” Nem preciso dizer nada quanto a isso, né? Coisa mais piegas nunca ouvi!
            “Praticar a ética é praticar o bem e, consequentemente, ser mais feliz.” A que ponto chegamos? Essa frase me faz pensar sobre o conteúdo programático do nosso curso de Ética e Legislação. Se Sócrates fala do bem e da moral e da felicidade e da justiça e blá blá blá, então somos estudantes anacrônicos. É démodé ser do bem. Quem liga pra isso? Quero o meu depositado na conta no fim do mês e nada mais.

            Bem, acho que hoje já trabalhei demais nesse case. Acho melhor ir pra casa, fumar alguns cigarros, beber alguma coisa (vodca com suco de maracujá, talvez!), assistir uma programação adulta na tevê... Sei lá, a ideia é desanuviar a cabeça, relaxar. Amanhã eu volto a todo gás e acabo com essa brincadeira de uma vez!

Continua amanhã...

domingo, 17 de março de 2013

A bondade



Olá, diário! Talvez esse tenha sido o domingo mais chuvoso por qual eu já tenha vivido. Não porque estivesse chovendo (realmente estava), mas, pelo menos para mim, a chuva sempre teve essa outra conotação. Os dias são cinzas, as pessoas se enrijecem, a água, que traz coisas do ar, torna-se impertinente.
            Um filósofo, não sei exatamente qual, disse que pensar é uma ato sofrível, que requer a dor. Em dias cinzas, refletir é um castigo. Um ato vital. Poder-se-ia dizer que divino. A reflexão nos dias chuvosos age como deus, de forma onipresente e onisciente. Não há onde se esconder, nem palavras suficientes para enganar ou persuadir a sua própria consciência. Eu sofri pensando que ninguém nesse mundo, um dia, por mais íntimo que seja, poderá vir a conhecer as profundezas do meu ser. Neste domingo de chuva e corpos enrijecidos eu descobri, na verdade refleti e cheguei à conclusão que ser bom é algo impossível de se conseguir. Eu venho me dedicando, meu pequeno diário! Tento tomar as decisões mais sensatas, mais racionais. E o coração?, pergunto-me. O que faço do meu coração? Sempre entendi que a bondade deveria partir do coração: errado. A ideia de bondade, em si mesma, é errada. Não se pode definir a bondade, ela não é papável, ela não se faz enxergar por todos. Uma decisão meritória é, ao mesmo tempo, triunfal e pungente. Refleti e me senti forçado a concluir que durante toda a minha vida nada mais fui do que um grandessíssimo filho da puta.
            Tenho um irmão usuário de crack. Ponto final. Não sei o que vem depois deste ponto, mas o texto precisa seguir o seu curso. Um ponto final tem a função bondosa de, apenas, delimitar as sentenças. O que a bondade deveria se perguntar é “e o que vem depois do ponto final?”. Eu caminhava pelas ruas, debaixo da garoa fina, só, num ermo de casas palpitantes. As pessoas, naturalmente, estavam encerradas dentro de seus lares a se protegerem da chuva, indiferentes aos usuários de crack da cidade. Minhas pernas me levavam por ruas conhecidas, ruas que fazem parte das profundezas do meu ser, muito faltava para que minhas roupas ficassem inteiramente ensopadas. Se agora escrevo, faço-o para tentar encontrar o momento exato que cheguei a conclusão sobre a bondade inexistente. Seria saudável que todos fizessem o mesmo. Dediquemo-nos a entender o fio condutor de nossa existência, querido diário. Eu pensava em meu irmão e no que ele poderia estar fazendo. Será que chovia onde ele estava? Nesse mesmo instante das reflexões lembrei que ele sempre fora um cara bom.
            É angustiante imaginar que vivemos cercados de pessoas, algumas poucas que honradamente chamamos amigos. Durante toda a minha vida tive amigos, todos temos. Temos todos, amigos. Amigos, meu diário, todos temos. Nem bons, nem ruins, apenas amigos. Amigos são palpáveis, podemos tocá-los e, por vezes, sentir as suas dores. Percebemos quando enrubescem. Vislumbramos os sorrisos largos e resplandecentes. Não há bondade nisso, aliás, não há nada de abstrato nos amigos, há os vícios e as virtudes próprias de cada um, mas não há áureas, nem auréolas.
            Em algum lugar da cidade, enquanto eu sofria a caminhar pela chuva, esvaia-se a vida de um cara bom.