terça-feira, 24 de maio de 2011

A Vida Pública - "transformo pedra bruta em pedra polida"

Já que o poeta é um eterno copista, lá vai...

            O prestígio enobrece, mas a nobreza, dessas que perambulam pelos sonhos mais cotidianos da média, não é o que busco, não me fascina nem me orienta. Refresco-me na sensação inebriante do anonimato, do doce ardor que tem o sexual prazer de fitar olhos que fogem de mim e que, por impulso ou reflexo, se perdem mirando apenas o chão. Busco o irrefutável, tenho como repertório apenas respostas atravessadas e na minha versatilidade o dom de ser calidamente escancarado, como as negras e tênues manchas da lua.

            Nasci, pura e simplesmente, para ser o herói às avessas, terminantemente necessário para o progresso nacional. Corrompido fui, sim, muito corrompido e daí herdei a responsabilidade de corromper, é um círculo não vicioso, vital. Abanei o cenho franzido da seriedade coesa que nos impõem a retidão de ser um cidadão ferrenho, total, daqueles que figuram como o exemplo da máxima do “ordem e progresso” e se rejubilam no seio familiar, ostentando uma vida crua onde o prazer está no pagamento em dia dos meus impostos. Isso é vida de pacóvio, quero antes a obscuridade de um bordel, a adrenalina do “crime judicial”, pois a verdade será sempre o meu sobrenome.

É claro que laranja melhor que uma família bem estruturada não existe, por isso a tenho e a trato com zelo, rego-lhe com viagens à Paris, Madrid, Miami, escolas de ponta, roupas, shows e futilidades joviais que no meu vasto compêndio de notas, as mais variadas possíveis, dessas que circulam livremente por ilhas de também variados nomes são apenas fagulhas do meu fogo eterno.

            Meu ideário é amplamente difundido sem nem ao menos ter que pagar por isso. De escândalo em escândalo as invencionices sensacionalistas e comercias me fazem ressurgir como fênix, faço então recomeçar minha trilha de fogo: notas frias, falsos fundos, licitações, um carinho nas mãos quentes do judiciário, empréstimos a empresas laranjas... eis meu doce cotidiano.

            Alcoviteiros da mídia impressa me chamam de malandro, põem a culpa na identidade nacional, na nossa origem putrefata, nos navios negreiros, na Coroa, na República que acorreu aos braços da nação parecendo um conto da Comédia da Vida Privada, na mão de ferro do Getúlio, no futurismo econômico e cômico de JK, nos militares do milagre, no topete do Collor, no entanto (e em tudo isso gargalhadas foram soltas como porcos  à lavagem) a origem disso é a própria informação. Essa mesma que te faz odiar a minha classe, que te faz escarrar todas as vezes que senhores engravatados utilizam sofismas emblemáticos na TV para aumentar-lhes o salário.

            Regozijo-me no seu ranger de dentes! Nunca passou nem passará disso, dentes à mostra, hostilidade não irá me exterminar, portanto pare!

           Ah, e também não me vá aparecer aqui com nariz de palhaço, numa tentativa de escárnio. Ria de todos nós antes que o riso primeiro parta de cá, não lhe resta muita coisa. Pois o meu cenho não é franzido, a minha retidão não tem nada de linear. A minha vida pública tem como máxima o “ordem e progresso” tão questionado, mas a minha caneta tem poder, eis-lhes o progresso, a minha caneta dourada, com detalhes escarlates em relevo.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Ensaio sobre a Veracidade

            Vazio de si caminhava. Como se, em contraposição à corrente filosófica que martiriza aquilo que é do todo e entroniza aquilo que é inacessível, permanecesse inerte em meio a um turbilhão de transeuntes da calçada vindos de lá e de cá.
            Era como o início de tudo, o vácuo em pessoa, como se necessitasse de algo ou alguém, sobrenatural ou não, que, de astúcia de ourives, lhe detalhasse as formas, fabricasse-lhe os traços, e lhe preenchesse de conteúdos e, mesmo sendo estes vãos e piegas, lhe dotasse, ao menos de sociabilidade.
            Caminhar era como uma fuga desenfreada, mesmo sendo um trocar de pernas sereno, minguado, quase sem vida. Este homem, ou mulher, ou qualquer coisa de inabitado que seja, pois a forma lhe falta, que vai a andar não o faz em linear caminho, entorta resignado em meandros, vielas e buracos como se as sombras da caverna buscasse. Pudesse ser que lá encontraria Platão e este com seus largos ombros e suas brancas barbas lhe infundisse a tal da ideia, que de tão imaterial que é apresenta-se perfeita. Talvez travasse um duelo maiêutico com o mesmo utilizando-se da famosa ironia socrática, mas o nosso herói é seco, sem substância, sem forma e, sendo assim afigurado, Platão lhe mostraria os dentes em gargalhada e lhe injuriaria, Como podes travar de duelo maiêutico com o discípulo amado do pai da maiêutica, e assim provaria do veneno mortífero dos falsos saberes.
            Ora, todo homem é bom, todo homem constrói a si mesmo, mas não sendo a matéria o que lhe falte e sim a essência, o nosso ser inabitado continua a andar circundado por uma “treva branca” capaz apenas de lhe fazer sentir. Talvez seja por conta do jejum das imagens, tendo em vista ser fato que elas muita falta nos fazem, talvez fosse pela falta de Deus que distante se mostrou, inacessível, dono do poder supremo e do castigo eterno de todos. Ora, talvez fosse pela metamorfose, sim, transformou-se em caixeiro-viajante de grotesco aspecto quando na realidade era besouro de ínfima massa encefálica, preocupava-se única e exclusivamente em alimentar-se e defender-se dos predadores, era todo instinto e, sendo assim, todo essência. A nós, que aqui distantes acompanhamos os passos de tal ser, de pouco resultado rejubilaríamos ao elencar hipóteses para a afiguração do nosso herói, seria antes de maior efetividade lhe darmos nós a forma a que tanto busca, despejar-lhe a essência pelas narinas, pois essa é a nossa esperança, a de que no fim destas linhas, tão grotescas quanto o caminhante, a forma convença-se de si mesma, sendo o conteúdo a própria forma.


            Inacabado ficará o texto, inacabado ficará o herói, pois aqui já ricos estamos de verossimilhança, de ideias. O que nos falta é a materialização do próprio ser, a verdade embutida na atitude.

Os Estados Unidos exibiram as imagens de Dominique Strauss-Khan algemado. O diretor do FMI, por enquanto, não foi julgado e muito menos condenado. É apenas suspeito de ter atacado sexualmente uma camareira em um hotel da região do Times Square.
(Fone: estadao.com.br – 18/05/2011)

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Mãe não tem limite

Este texto foi escrito há três anos, quando ainda as atividades deste blogueiro e suas perspectivas eram inteiramente distintas das de hoje! Mas, por gostar muito dele e vir a calhar, compartilho-vos!

“Mãe não tem limite, é tempo sem hora!”, dizia o poeta. Muitos deles já tentaram no mais alto de suas grandiosas inspirações, definir esse sentimento irracional que é o amor. Os filósofos calejaram o cérebro e os matemáticos tentaram expressar em equações o quanto uma mãe ama seu filho. Todos sem sucesso. O que torna mais difícil escrever uma mensagem especial nesse dia dedicado a elas. Já que “mãe é luz que não se apaga, mesmo quando a chuva aperta e o mundo desaba”, tentarei neste texto conter as frases feitas, do tipo “ser mãe é padecer no paraíso”. Mas afinal, porque as mães padecem tanto? Será por conta dos filhos? Em tempos de aquecimento global e desastres ecológicos, perguntar isso a mãe natureza não seria lá boa coisa. O fato é que não existe mãe que não se derreta toda quando o filho sussurra em seu ouvido um “eu te amo” acompanhado de um afago na nuca, até mesmo as meias espalhadas no chão da sala, o quarto que não foi arrumado, o agasalho que você deixou de vestir, o bolo da titia que você elogiou na presença dela (nunca faça isso, erro fatal!) tudo isso é esquecido e perdoado. Afinal, não existe mãe sem existir o filho. Nesta relação toda dor é suportada, toda briga é comprada, todo frio é amenizado pelo calor do coração, coração de mãe. Que bom é ser fotografado pela retina dos olhos orgulhosos da mãe, mesmo porque pra ela não existe pessoa mais bonita e inteligente que você.
Sei lá! Talvez os poetas, os filósofos e os matemáticos conseguiriam melhores resultados se “mães” fossem. Ou se se imaginassem nos olhos da Virgem Maria ao ver seu filho, até então desaparecido, ensinando no templo e às multidões como amar e depois se imaginassem naqueles mesmos olhos, agora mergulhados em lágrimas ao ver aquele mesmo menino, homem então, sendo cuspido, humilhado e crucificado.
A todos esses seres que amam e falam a língua dos homens e dos anjos, que são mães mesmo sendo pais e que são mães mesmo sem nunca ter gestado, toda a estima e felicidade dos filhos que por mais que digam e escrevam nunca conseguirão pagar por tanto amor, afinal as mães não morrem, elas permanecem impregnadas no coração do filho.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O Morador de Rua

“Todos os erros humanos são impaciência, uma interrupção prematura de um trabalho metódico.” (Franz Kafka).
Como que por milagre, se é que esses existem, já que as artimanhas da natureza calam constantemente a prepotência e apriorismos humanos, me vi enxuto numa confusão mística de desapegos emocionais. Travestido de Willian Shakespeare, magnetizado no Gonçalves Dias vivi a ilusão viral do estereótipo, do convencional, do sancionado.
Aqui, perdido por essas calçadas repletas de nódoas que falam, contam histórias inteiras de vidas, marcam encontros e desencontros e são as mimeses da minha vida futura que será mais real que falsa, me transformo na coisa. Uma coisa sem nome, sem classificações, sem efeitos, sem causar preocupações ou predisposições nos empresários, médicos, advogados e filantrópicos. Já que a filantropia também é uma criação humana e a sendo, assim como tantas outras, acabou por fazer parte da sua natureza, parte de um egoísmo que a cada minuto desta minha existência fétida ganha outros sinônimos.
Deitado nesse chão duro, deixando as costas aduncas, reflito sinistramente no mal que deixei de viver aí do outro lado. Aqui sou invisível. Estou entre a linha do bem e do mal, sou neutro. Vejo-os passar todos os dias. Uns apressados, outros não. Uns distraídos, viajando em pensamentos dos quais eu já não posso ter, outros atentos aos movimentos marrons, cinzas e pretos que nos caracterizam. Os que ainda, por um fúlgido momento e sabe-se lá por qual entidade sobrenatural conseguem nos encarar ali deitados, ou de pé, ou só, ou em companhia transmitem toda a benevolência de suas incapacidades. Vocês diante de mim são incapazes. Mesmo sendo parte da rua, sendo parte da noite, do dia, do viaduto me vejo cada vez mais original, cada vez menos escravo de tudo isso que me cerca; fruto, mas não escravo.
Sinto fome e sede. Já não me cabe o direito de justiça, de vingança. No abandono eu me torno pleno, me camuflo nessa solidão alienante, nesse ultrajar do salubre. Os direitos fugiram, mas levaram consigo os deveres. Esse é o medo, a ojeriza que me distancia de vocês.
Sob meu olhar, agora sem vibrações me passam vidas pequenas, crianças crispadas pelo desleixo, pela sujeira, pela miséria. Vidas das quais se pode aprender muito. Compactuo com histórias reais, com lágrimas reais, com dores reais. Vozes lacrimosas ecoam no meu interior.  Nas ruas, por menor que seja o alimento conquistado por um, são muitos os que usufruem.
Existem os nômades, aqueles que carregam o legado da solidão e são felizes a vivenciando. Mas que carregam junto espírito nobre.
Por motivos que se tornaram alheios ao sistema fui designado a ser mais um, mais um desses milhares que tornam mais brilhantes os seus colares e relógios. A minha existência é a sua opulência. Bem assim, sirva-me de tapete e eu lhe empresto as migalhas do meu veneno.
A minha história é desprovida de importância, mas carrega muito peso em significado. Dentre todos o que mais dói é a pequenez da alma. O meu dote é caro demais, minhas mãos tortuosas são pétalas negras, das quais a noite faz emanar odor inebriante que carrega a sua consciência.
Volto agora para o quadro infame da minha, mas não mais que sua sarjeta.